quarta-feira, 5 de junho de 2024

CRIME DE INJÚRIA: cabe ou não retratação?

    Se uma pergunta como esta fosse cobrada numa prova de concurso púbico ou da faculdade de Direito a resposta seria: depende! A forma como a questão é elaborada determina o tipo de resposta, eis que não se encontra pacificado o entendimento a respeito do supra questionamento.

    Injuriar alguém, ofendendo-lhe a dignidade ou o decoro (art. 140, CP) significa dizer "a atribuição genérica de qualidades negativas ou fatos vagos e indeterminados” (PRADO, 2010. p. 210). Pela lógica, essas qualidades negativas devem ser absorvidas como tal pela vítima; é por isso que tem natureza subjetiva, porque depende de a pessoa se sentir ofendida (ou não). Afinal, sem a qual não haveria de falar em ação penal privada.

    Entretanto, caso haja a correspondente ação penal, isso não pode ser necessariamente visto como a prova cabal de que houve alguma ofensa e da qual não caiba a retratação, eis que impossível retirar o que tenha sido falado. 

    Aliás, o paradigma a respeito da irretratabilidade sobre a injúria deve ser quebrado considerando a hipótese de uma amizade em que o tratamento se dava com habitual aspereza e palavras de baixo calão, sendo que, em razão de um eventual desentendimento, a "vítima" mal-intencionada procura a justiça sob a alegação de ter sido ofendida.

    Retratar-se significa retirar o que fora dito anteriormente, ou seja, voltar atrás no que se disse como forma de se desculpar ou se justificar. Assim, o fato de não se encontrar positivado o instituto da retratação não revela que o legislador expressou a sua vontade do não cabimento. É que, nesse caso, como pode ocorrer o perdão judicial a pedido da vítima (art. 107, IX, CP) a retratação pode ou não estar contida; é algo que pode estar implícito, assim como a vontade da vítima de não desejar prosseguir com aquele processo, por uma questão de solidariedade.

    Estamos na era formal do pós-positivismo (EC 45/04) e as condutas tipificadas não podem mais ser analisadas sob o viés de uma interpretação literal; é necessário valorarmos a conduta para saber se há ou não o real enquadramento à lei, diante dos diferentes casuísmos que se evidenciam. 

    Mesmo assim, a doutrina majoritária, que segue a linha do positivismo exacerbado, ainda tenta explicar o porquê de o legislador não conceber o benefício ao autor do delito de injúria, apresentando o fundamento de que se fosse possível a retratação do ofensor, isso poderia macular mais a dignidade e o decoro da vítima. 

    Nesse sentido, “não importa à vítima que o ofensor desdiga qualidades negativas, até porque a reconsideração poderá importar em prejuízos maiores” (CAPEZ, 2004, p. 275).  

    Já para Basileu Garcia, seguindo uma linha racional, se a retratação é possível para o caluniador e para o difamador, assim também é possível ao injuriador (apud. FERRERA, 2000, p. 97). 

    Em outras palavras, essa tentativa da doutrina majoritária de explicar a “intenção do legislador”, pelo fato de ele não ter positivado a retratação sobre a injúria acaba sendo de certa forma irracional.

    Em questões de concurso público ou provas de faculdade, essas considerações devem ser incorporadas, em virtude do leque de questionamentos capciosos que existem. Vejamos alguns:

Questão 1 – Encontra-se pacificado o entendimento a respeito de não existir o instituto da retratação no crime de injúria. ERRADO: o que há é um posicionamento majoritário, mas não pacificado! A doutrina majoritária, embora propague o entendimento de que o fato de não constar no Código Penal a previsão da retratação para a injúria, este não é um entendimento aceito pelos jusfilósofos.

Questão 2 – Segundo o Código Penal, é incabível a retratação no crime de injúria. ERRADO: está expressamente escrito no art. 143 Código Penal que é incabível? Não! No referido artigo não há sequer previsão da retratação para a injúria, mas essa omissão está longe de ser compreendida como incabível.

Questão 3 - No Código Penal não se encontra prevista a retratação para o crime de injúria. CERTO: de fato, no art. 143, do CP, o que somente verificamos é a retratação para o crime de calúnia e difamação, mas isso não quer dizer que não caiba para a injúria, conforme as reflexões aqui expressadas.

Questão 4 – Joana, ao ter dito para Ana que ela era uma “velha fofoqueira” cometeu o crime de injúria. Entretanto, por Joana ter se retratado em audiência, o Juiz terminou por conceder o perdão, a pedido da própria vítima. Essa situação é plenamente possível ocorrer, ainda que não haja previsão do instituto da retratação para injúria, no Código Penal. CERTO – A interpretação da lei ante a omissão legislativa não pode prejudicar o réu sob pena de ferir princípios fundamentais. Como já fora dito em linhas passadas, estamos na era do pós-positivismo, que além de não negar o positivismo, transcende sua visão de Direito levando em consideração valores e princípios para determinar a correta interpretação dos fenômenos sociais e saber se são compatíveis com o que está pautado em lei.

    Tudo vai depender da forma como a questão se apresenta! Cada vez mais, as bancas de concurso público estão se sofisticando na elaboração de questões inéditas, contextualizadas e com "pegadinhas", não sendo interessante ao candidato continuar procedendo um estudo por meio de “repetecos decorados” de leis, doutrinas e jurisprudências. 

    Enfim, é necessário que o estudo seja feito de maneira lógica a partir de gatilhos mentais e conexões racionais, para saber a forma certa de interpretação dos textos, inclusive, para a vida profissional do operador do Direito em suas sustentações dissertativas e/ou orais.

Bibliografia

AZEVEDO, Rodrigo Silveira Rabello de. A QUEDA DO POSITIVISMO JURÍDICO E O DIREITO CONSTITUCIONAL NO PÓS-GUERRA.

BUSTAMANTE, Thomas Da Rosa De. Uma defesa do pós-positivismo.

CAPEZ, Fernando. Curso de direito penal: parte especial, dos crimes conta a pessoa a dos crimes contra o sentimento religioso e contra o respeito aos mortos (arts. 121 a 212). 4. ed. São Paulo: Saraiva, 2004. v.2

FERREIRA, Amauri Pinto. Calúnia, injúria e difamação. 2. ed. aum. Rio de Janeiro: AIDE, 2000. 212p.

MACIEL, José Fabio Rodrigues. MORELLI, Cristina Y. Kusahara. INTERPRETAÇÃO DO DIREITO NO PÓS-POSITIVISMO: A IMPORTÂNCIA DOS PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS. Revista do Curso de Direito da Faculdade de Humanidades e Direito.

MARANHÃO. Ney Stany Morais. O fenômeno pós-positivista.

PRADO, Luiz Regis. Curso de direito penal brasileiro. 6. ed., rev., atual. e ampl. São Paulo: Revista dos Tribunais, 2010. v.3.

5 comentários:

  1. Cibele noronha cavalcantti5 de junho de 2024 às 14:22

    Jesus Cristo e eu que aprendi na faculdade que a retratação jamais existiria na injúria. Obgda profe

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  2. Eu nunca li uma explicação tão boa quanto esta, onde estão os doutores, pós-doutores do direito que arrotam os títulos e na faculdade nunca deram essa explicação??????? 😔

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  3. washington Luís azevedo castanho14 de junho de 2024 às 11:29

    esse kra ñ e tão conhecido pq ele não faz marketing mas é o melhor professor q eu já vi

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  4. Tão claro quanto água, bom se no curso de Direito aprendêssemos assim. Só o Sr mesmo para ensinar isso, profe

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